31.8.05

Por supuesto

(Foto de José Luis Mendes, in http://www.olhares.com)


Continuo, circular, lendo os mesmos livros. Os jogos de futebol são cada vez mais parecidos e, a cidade, cada vez mais borrada. O cinema perde aos pouquinhos sua cor e a arte se esparrama em instantes curtos. A datilografia é sequencial, os espelhos todos são lisos e não deformam, e os telefones gritam sempre o mesmo 'trim'.

O amor, entretanto, vem mais robusto e lisonjeiro. Traz flores que parecem de seda, mas são de verdade. Reconstrói cantigas de amor esquecidas a que nos afeiçoamos, rapidamente, de novo. Desenha passos insubordinados em um chão de samba. Sorri de duas em duas lembranças e carrega um imã de flores.

24.8.05

Luneta com cortinas

(fotografia de Avani Stein, in www.imafotogaleria.com.br)

.I.
O pano na moça na cabeça vermelho limpa a vidraça empregada
da janela,
o filho, pequenino, que ontem
Me-sa, É mesa que tá escrito, mã?,
É capaz que Quintino atrase,
o trem lotado, gente estrumbicada,
Me-sa,
preciso limpar a mesa,
Será que hoje vou ter pão? ou macarrão?
Vidraça enorme ganho pouco e essa vidraça enorme,
mas o pão, tem o pão,
Hoje à noite eu abraço meu filho e ensino ele a
separar tra-ba-lho ou a-mor.

.II.
Setecentos e trinta e um livros contados pela luneta.
Seus óculos sozinhos sentados na mesa de vela,
de dia e de noite, à tarde quando não vejo,
páginas recortadas penduradas na parede,
os óculos sob pendurados na varanda, por um fio,
decora os trechos e, só depois, re-enxerga os óculos,
só depois cola de volta nos livro as páginas rasgadas
(a batida do trânsito faz ele ir até a janela,
olha desinteressa procura um adormecido trecho
sobre uma colisão de um beija-flor com uma borboleta:
melhor os dias em letras desloc(ol)adas na parede).

.III.
O Minhocão resfolega, se baba e eriça.
A janela a dois metros do pilar e
seu cotovelo sustenta o prédio todo a cabeça os olhos do segundo andar,
a fotografia do comercial de sapatos
- diminuição do valor do condomínio -
quase gruda no cotovelo,
"Conforto com beleza"
Só pode ser brincadeira, cuspiu quando puseram a propaganda,
os olhos maçados, a oportunidade de emprego,
Vou ver televisão, hoje tem o Jefferson.

.IV.
Três poeiras se levantam e os dois vizinhos vêm olhar.
O motor não é daqui,
quer gritar Carro novo, seu Elias? da janela
mas só acena interrogação suspeitosa.
O silêncio entra na casa do outro,
os umbrais ficam escancarados, reverberam tensos e insultados,
vaticina um escândalo, os olhos encimam sobre o Honda,
o carro liga
o vizinho sai se vai para a cidade grande ser diferente.

.oo.
Quatro retas palatáveis, a janela:
um armistício com o mundo,
deposição do céu.
Velados os afagos as cicatrizes a mesmice
o variável involuntário.

As janelas são todas fluidas
se se tem as cortinas certas.

20.8.05

João Gilberto


- Como está?
- Quem é?
- Adivinha?
- Tenho um chute.
- Será?
- (ronrona).
- Linda!
- Eu sei (risos).
- Olha que eu te pego.
- - Não pega não.
- Não?
- Não. Pega?
- Pega.
- Não pega, porque você não agüenta.
- Opa se não. Quem não agüenta é você, Bel. Güenta?
- Güentei sempre, todas as vezes. Pelo que consta, quem não agüentou foi o senhorito. Ou não?
- (silêncio)
- E quais as news, Dé? Eu tenho news. Good ones.
- No news. Quais são as suas? Está apaixonada?
- Estou com muito, muito...
- Amor ou sexo? (suavemente) Ou ambos?
- Ambos, sempre. Mas algumas vezes fico sem o último, não por opção.
- Sei. Mas e atualmente?
- Na verdade, pensando bem, estou sempre apaixonada. Atualmente a coisa está complicada. Tem um gatinho no meu pé, querendo namorar, mas eu não quero. (silêncio) Hoje inventei que estou com febre.
- Sério? Febre? Mas, vem cá, já houve o vem-que-tem?
- Desde domingo retrasado invento desculpas, mas ele insiste (será que sou tão pouco convincente assim?). Por enquanto, só espera-que-terá.
- Lamentável. Então, não dá.
- Ele bem que quis, mas eu não.
- Sei. Resumindo, o sujeito é meio devagar.
- (risos) Olha, o cara, deu para perceber, passou mal nas cinco vezes que saímos. Mas eu cortei. Lado bom da coisa: esqueci o Henrique.
- ‘Passou mal’ você quer dizer que ele ficou taradão?
- Ofegante.
- E ele não teve a idéia de te levar para um motel, só para vocês conversarem mais tranqüilos, sem compromisso?
- Ah querido! Eu não caio mais nessa. Posso continuar as news?
- (pausa) Pode. Mas, Bel, só uma coisa antes: você quer, amanhã, conversar num lugar tranquilo, eu até toco um violão e coisa e tal? O ponto todo, porém, é que dessa vez ele tem que ser silencioso como o João Gilberto. Talvez uma música solo (a exemplo de Sozinho), talvez um álbum completo. Quer?
- (riso contido) O que você quer?
- Conversar e tocar violão. Você quer?
- Que violão?
- Não vou cair na resposta óbvia. Assim, respondo: aquele que me faz cantar notas agudas e fazer sons graves. Incrivelmente graves.
- Graves?
- Graves. Profundos. (pausa) E longos.
- O que te deu?
- Música!
- E sua noiva?
- João Gilberto, Bel. João Gilberto. Silêncio, baixinho, segredo.
- (risos) Not possible.
- (cantando) "Quietinho bate calado, coração dilacerado."
- É uma promessa que fiz a mim mesma. Você é, sem dúvida, um galanteador admirável, mas não posso com João Gilberto.
- Nunca mais sexo gostoso? Promessa ruim. Lembre-se que João é um inaugurador do estilo. Merece ser seguido.
- Nunca mais vou me machucar deliberadamente. A história com o Henrique foi longe demais, fiquei muito mal. Nunca mais serei a outra. Nunca mais João Gilberto.
- (sussurrado) “Mal teve tempo de agarrar a toalha que se estendia no chão, a fazê-la de mordaça, e reprimir os gritos de gata que lhe corriam o corpo todo e lhe assaltavam o seu sexo.”
- Pode parar.
- É quase o que diz o Garcia Marquez, quando Aureliano levanta Úrsula pela cintura.
- Vai ouvir a minha news ou não?
- “...lhe jogou sobre a cama, ela se debate - não quer, não pode, pois o marido está na sala contígua,”
- Sim, isso tudo, mas com dignidade.
- “... mas logo percebe que seus gritos são mudos, são quietos,”
- Muito sexo, mas com dignidade, ao menos.
- “... são de uma complacência quase cúmplice, e quando ela se descuida, ele se aventura inteiro para dentro dela e ela sente uma força descomunal em seu centro de gravidade, uma força invasora inconcebível, seu corpo enrijece e seus gritos de gata forcejam para serem liberados”. (pausa) É uma cena linda.
- De fato. (rapidamente) Não vejo a hora de chegar a Paris.
- Há quem faça mímica parecida.
- Engraçadinho.
- Enfim. Nada de João Gilberto. Peraí. (pausa) Você vai para Paris? Que bacana! Quando?
- Mês que vem. Encontro romântico. Alguém que possa me assumir sem silêncio.
- Você vai com alguém para Paris?
- Não, a gente vai se encontrar lá.
- Quem é o cara?
- O cara é o Rui.
- Ele é meio feioso. E ele não era casado?
- Nada feioso e (com ênfase) s-e-p-a-r-o-u da mulher. Vamos lá, seja imparcial.
- Estou sendo imparcial. Feiosinho. E o diminutivo vai para dar uma ajuda.
- (risos) Bom, é isso, nós enlouquecemos de quarta para cá. (pausa) Ganhei a passagem e estou indo.
- Ganhou a passagem? Veja você. Eu só tenho minha conversa e meu violão.
- Tem sua n-o-i-v-a.
- De fato. Tenho mesmo. Eu só quis fazer um contraponto entre violão e ... enfim. Nevermind. João se despede.
- É?
- João Gilberto reclama do som (pausa).
- Do som?
- É: não tem retorno.

E desligam.

17.8.05

Ponto de ônibus

(Acervo do Museu dos Transportes Públicos Gaetano Ferolla)

Onze horas da noite. Os carros caminham em rápidas filas indianas entrecruzadas, azul vermelho preto preto prata, seta prata prata Brasilândia. A buzina reverbera incorporada na caótica cidade que não se apaga. O ponto de ônibus, verde 874P Lapa azul vermelho 875P Barra Funda, nesta cidade de São Paulo, pode estar como está às onze da noite. Vinte pessoas se engalfinham. O frio não é tanto, mas as mãos se esfregam sob um gesto involuntário de quem não percebe que está só.

Um Fiesta preto pára na frente do ponto. A janela elétrica vai se agachando aos pouquinhos. Uma fresta, uma nesga, uma porção de espaço, metade da janela. Dois olhos lá de dentro, de óculos. A janela inteira de cócoras. O ponto todo vira uma interrogação, Alguém vai pra PUC?, pergunta voluntariosa a voz de dentro. Onze horas da noite. A janela se abre e um par de óculos pergunta se alguém vai pra PUC.

Lógico que alguém vai pra PUC.

Mas ninguém responde. Metade do ponto de ônibus finge Não é comigo, e continua, azul, vermelho, Hospital das Clínicas 177H, prata, prata, prata, preto, Ninguém vai pra PUC, então?, Tarado, pensa a velhinha, Que que é esse louco?, remói o rapaz, Enfia o carro no, sussurra um outro. A moça bonita não olha e enrubesce e tem certeza que foi por causa dela.

Ninguém?, atalha pela última vez, janela serpenteando para cima, os óculos lá dentro mais opacos, São Paulo, onze e três, e o ônibus atrás já buzina, é noite.

O ponto continua lotado na cidade que não se apaga e tem medo do escuro.

15.8.05

Bahia - fotografias de uma viagem

(foto de Renata Camara)

Primeira Fotografia

Grande parte das pessoas daquele barco eram negras, mestiças ou mulatas. Alguns carregavam grandes olhos negros e sobrancelhas tristes, outros poucos traziam olhos azuis amendoados, que vestiam com altivez de propriedade única e de elemento diferenciador imediato, algo como Vejam que tenho algo que só os outros têm. A tiracolo ou deitadas nos bancos, havia caixas com amendoins, cocadas, flores ou simplesmente a velha e repetida caixa de engraxate, pamonha, coco da casca. Refrigerantes e cervejas vendiam só os que já estavam subindo na peregrina vida de vendedores de rua (ou de barcos). Notava-se mesmo no seu andar o desdém que não deixava de ser uma esperança quase paternal, Vem atrás de mim, molecada, que já passei por isso aí. Ao menino, mulato pequenino, olhos suspensos no chão, não lhe erguia busca alguma sobre os porquês de fazer o que fazia, poderia estar se lembrando da última vez em que havia comido um bom pedaço de carne vermelha, daquelas de vaca.

A janela recortava um desenho tombado, metade terra, metade céu. O barco deveria estar em uma de suas ressacas e o mar em um de seus dias pouco navegáveis. Ninguém parecia ligar muito. Só alguns loiros e altos, além daqueles três, prováveis paulistas tresmalhados do rebanho citadino, pareciam sentir, com a natural excitação de princípio ou continuação de viagem, os efeitos do balanço lá cá lá cá. Era bastante óbvio que aqueles ali eram turistas. Mala e cuia, máquina fotográfica, aventurados na cadeirinha do ferry boat a espera de alguma coisa, do dia seguinte. Algo de diferente vai acontecer a esses aí amanhã, deve ter pensado algum dos curtos companheiros de mar.

As cadeiras do ferry boat eram de plástico, presas ao chão por um ferro ereto que as impedia de fugir, ainda que enjoadas pela rebentação repentina de um dia de procela. Uma pequena televisão no alto, provavelmente igualmente presa por alguma corrente para impedir que espíritos imprudentes decidissem a levar dali, dava as notícias do futebol. A parte exterior parecia consistir em um estreito corredor onde não podiam caber mais do que duas pessoas, de lado, a olhar o mar, uma para um lado, a outra para o outro. Por volta de quinze pessoas se refugiaram, ali, da náusea, e encontravam no vento abafado na maresia o remédio para seu mal. Havia candeeiros alçados nas paredes, mas não estavam acesos. Ainda se fazia dia. Algumas pessoas do barco o notavam. Para outras, aquelas das cocadas e a senhora que apoiava sua cabeça sobre suas mãos e seus cotovelos sobre seus joelhos e seus joelhos no chão do barco e o barco na desesperança, parecia tanto fazer. Ao lado dela, um velho sujeito negro olhava o vazio da cadeira de plástico da frente e se esquecia do vazio da alma de pobre de dentro e não se importava com os paulistas, que segredavam entre si, Veja, essa vai ser parecida com Sebastião Salgado.

Bahia - 2004

Fui para a Bahia em 2004, junto com dois amigos, Almir e Renato. Passamos por Barra Grande e Morro de São Paulo. Demos uma rápida volta por Salvador. Ainda quando estava lá, tive a idéia de escrever um diário romantizado da viagem - talvez pelo furor que o tal filme do Che Guevara, do Walter Salles, me causara um pouco antes. O resultado ainda não saiu, já que a idéia inicial era escrever um livro sobre o assunto.

Quem sabe o blog não me anima a continuar.

A idéia básica era a seguinte: tirei algumas fotografias durante a viagem. Como tenho mania de experimentalismos literários, essa coisa incontrolável e seriamente desmotivadora de querer inventar algum tipo de artíficio literário inovador, decidi que o relato seria baseado nestas mesmas fotografias. Para cada uma, um capítulo, que pretende começar com uma descrição da fotografia que encaixilha (prefiro encaixilha a emoldura, os simplistas que me desculpem) a ação. A partir da fotografia, o capítulo se desenrola.

Não tenho, ainda, as fotografias em meio digital. Por isso, a minha primeira fotografia é de Salvador, que a Rê tirou quando foi neste ano. O texto já tem umas 30 páginas, mas ponho só os 3 primeiros parágrafos (as pessoas, hoje em dia, não querem ler textos muito compridos).

Os posts sempre indicarão "Bahia - fotografias de uma viagem". Os capítulos, como já disse, serão divididos em fotografias.

12.8.05

A avó

A avó recebe visitas em dois horários: à tarde e no início da noite. Os corredores são brancos, as enfermeiras vestem branco, os remédios são todos brancos e há a impressão de que mesmo o café, ali, é branco como os cabelos ruços e antigos da minha avó.

Ela se deita quieta. Os olhinhos atentos e o sorriso largo na boca miúda. As mãos de bolinhos de chuva, de carinho e doce de uva sem caroço e reza - tanta reza que, às vezes, quando criança espantada, achava que, como minha mãe, a avó havia inopinadamente pregado uma mão à outra com superbonder.

Com 92 anos, preocupou-se com o novo Papa. Disse-me em um almoço de família. Não sei o que vem no futuro, parece que ele é muito conservador, e emendava, Você viu que a Tina brigou com o marido? A sua dinâmica e os pulos do público para o privado para o público às vezes me confundia, admito.

Meus tios mais velhos dizem que a avó tinha olhos enormes quando era moça. Via com focos de luneta e caleidoscópio. A luneta para cuidar minuciosamente do mundo, e o caleidoscópio para ver os matizes de Deus nas coisas do mundo.

Seus olhos, vi em fotografias, iam diminuindo com o tempo. Quando nasci, já tinha seus 60 e tantos anos, bordejando os 70 e os dois globos já eram um pouco mais estreitos. Nunca perdeu agudeza, isso é certo. Ao contrário, parece que a percepção ia se destilando, maturada, e os olhos se fechavam, comprimidos, para ver mais longe e melhor.

Quando fez 90 anos, minha avó pediu uma festa, com bexigas e doces e todas as gentes da família. Arregimentou quase todo mundo. Os que não vieram, mandaram escusas e desculpas que lhes davam legítimos salvo-condutos: de outro jeito, vovó iria lembrar, na maior amplitude que isso possa ter, da ausência. Lembraria, é fato. E seria terrível para os ausentes.

Perguntei se estava gostando da festa. Ela fechou um bocadinho mais os olhos, me alçou ao seu metro e trinta com um sutil puxão pelo braço, que fatalmente todos obedeciam, e me disse que sim, que estava gostando, Sobretudo porque já vivi uma vida de que posso falar ter sido mais feliz do que triste, deu dois tapinhas na minha mão e foi cumprimentar outros dois convivas, bisnetos de 5 e 6 anos de idade, que se agarram aos berros, Bisa.

Lembrei desse dia, seu aniversário, quando a vi deitada esperando suas visitas da tarde. Nos 5 minutos que tive, ela me agradeceu a visita, contou-me um caso do seu geriatra, Como a senhora manteve seu peso exatamente o mesmo nos últimos 10 anos?, ao que ela, quase ofendida e despeitada, Porque como para viver e não vivo para comer.

Ela está deitada, quietinha. Seus olhinhos estão menores. Encovados, quase só se vê a íris castanha e a negra pupila. Os olhinhos estão lá no fundo, acesos e animados, falantes. Ela controla todos os enfermeiros com aqueles olhinhos.

Perguntei, antes de ir embora, o que ela achava de pôr um marca-passo.

- O meu coração antigo já está tão cheio de amor, que resolveram me dar um segundo, foi o que ela me respondeu.

11.8.05

Quadros em sílabas

Há algumas palavras que realmente me fascinam. Não só pelo aspecto pequenino do sentido, essa coisa batida de Acho linda a palavra saudade, porque só existe em português. Nada disso.

Essas tais palavras são um punhado de sílabas que me agradam, porque parecem aquela gota resfolegante de sorvete que cai na sua mão, verão correndo solto, para logo ser lambida. Perdoem o clichê do exemplo, mas foi o que me ocorreu. Long story short, gosto das palavras porque elas me parecem bonitas como um quadro. Olho e digo, sucinto, Que bonita.

Escolhi, até hoje, só duas (é bem verdade que não tenho muito mérito em nenhuma delas. Ambas foram quase indicações, embora eu goste de pensar que tive algo a ver com a palpitação desajeitada com que a idéia da palavra saiu. Mas admito. Trata-se, aparentemente, de um roubo amigo).

A primeira, que coisa linda: 'perhaps'. O som, a escrita, a combinação, os diversos tons que a acolhem. Ela pode ser dita rápida ou devagar. Em sílabas. Acentuando o 's' no final ou equilibrando uma pausa, no dedo indicador, no 'r'. Se ainda não significasse talvez, se significasse "mesa": ainda assim seria bonita.

A outra é 'endlich'. Provavelmente a única palavra com algum significado não comercial que eu conheço do alemão. A mim, a palavra me socorre quase um tapa com luva de algodão, uma provocação algo cínica, algo sarcástica. A palavra, antes de saber seu significado, já me parecia definitiva. Ainda fiquei mais surpreso quando soube que era, na verdade, um advérbio. E de modo: 'finalmente'. A dicção do 'ch' é como um 'r' cuspido, um 'r' e um 's' sequenciais. Veja se não traduz uma afronta. Definitiva. Coisa de vida ou morte.

"Endlich, perhaps." - poderia, com honestidade, ser o lema de alguma campanha hedonista.

10.8.05

Causa do literar

Citando a efeméride do momento, Cervantes:
"- E é bonito esse seu livro - perguntou D. Quixote.
- Ora se é. Há verdades tão lindas e graciosas, que nem a mentira se lhes compara."
Pois, literar: verdades lindas e graciosas observadas durante os dias. Estou certo, contudo, de que algumas mentirinhas vão passar.