21.7.06

Nos dias de hoje

(foto de Cristiano Mascaro, in www.imafotogaleria.com.br)



Caro,
Responda-me cá uma pergunta. Na verdade é uma situação. Vou descrever mais ou menos: um garoto conhece uma garota. Sai com ela e, aparentemente, gosta. Enche a bola da mocinha (diz que é bonita, que é simpática, inteligente,). Chega até a dar flores. Nas primeiras semanas faz contato várias vezes, chama para sair e outros. Daí, vai viajar num fim de semana. E, depois disso, o negócio esfria. E sem motivo algum aparente. Qual é o problema dessa situação toda?




Não falarei sobre o amor, que não cabe na hipótese.

O garoto conhece a garota. Fica feliz com o que vê; depois, em um primeiro e quase sempre decisivo momento, fica contente com o que ouve. Decide convidar para sair, para conhecer melhor.

Aqui, pausa, bifurcação. Ou seria melhor dizer, uma trifurcação.

Ou ele está interessado em um relacionamento realmente casual e, a primeira noite em um bar, restaurante ou choupana que o valha, é, desde antes, um terço das três vezes que ele pretende que o casal se encontre; ou ele está procurando uma mocinha para se acomodar na vida e chamar alguém de meu amor (isso algumas vezes é bastante intencional e os homens chegam a se convencer de que aquela, ah! aquela!, é a mulher que ele sempre quis); ou, por fim, ele está absolutamente despreocupado e quer sair, simplesmente, porque gosta de ter mulheres por perto e ao seu lado, algo do tipo mariposa-lâmpada.

O que é importante, porém, é que, em qualquer um dos casos, as primeiras vezes que ele sai com uma mulher, o único grande desejo é conquistá-la e, ato quanto-mais-rápido-contínuo-melhor, levá-la para cama. Há homens que dizem que não, que inventam o romance, as rosas e as palavras para desmistificar essa verdade insensível, que se interessam mais pelos olhos e pela textura da mão da mulher do que, efetivamente, em vê-la nua e entregue (ou dominadora, sabe-se lá).

Esses homens mentem.

Mas, de outro lado, igual verdade seja dita: muitas das mulheres (senão a grande maioria) também procuram exatamente a mesma coisa nos dias de hoje. A diferença é que algumas de vocês são um bocadinho mais exigentes. Mas o plano de fundo é o mesmo.

Então, partindo para o contexto fático da sua história de amor malfadado.

As flores, as palavras e os elogios fazem parte desta sedução de poucos recursos de que nós, homens, dispomos. Algo como o olhar das mulheres, suas roupas justas, suas respostas agudas e traiçoeiras e o sempre fatal estou-ajeitando-meu-cabelo-para-você-ficar-em-dúvida-se-te-quero. E não digo isso para você ficar suspeitosa, desconfiada e/ou cética em relação aos homens. Muitas das vezes em que dizemos ("você é linda" ou "caraca, sensacional conversar com você") é verdade. É verdade para sempre, naquele instante, e é verdade, também, porque, lembre-se, nós estamos conquistando vocês.

E quando nós, homens, sumimos?, você pergunta. Conversamos, ligamos, dizemos algumas verdades e outras mentiras. Volte lá para alguns parágrafos acima. O homem, no princípio das circunstâncias, quer só te levar para a cama. Se ele consegue, há uma chance razoável - dependendo do clima em que ele está e do tipo de homem que ele é - de ele não te procurar mais. Há a chance de ele te encontrar algumas vezes e ir paulatinamente afastando você da agenda, como um dégradé recaindo para tons mais escuros (considerando o preto-asa-da-graúna como o esquecimento).

Se há, contudo, um evento específico entre o bom momento e o ostracismo do coração, é possível que o mocinho tenha encontrado alguém nesse intervalo. Em uma viagem, por exemplo. Foi viajar e voltou diferente. É possível que tenha encontrado uma ex-namorada, contra cuja memória ele andava lutando bravamente. Mas sucumbiu quando a viu de novo (ou, hipótese igualmente provável, ele nunca a esqueceu). Pode ser, também, que ele conheceu uma outra mocinha (essa versão é doída) e, por estar a procurar outras cores na paleta, abandonou o repetido azul pastel ou cinza escuro e fez aceno para um amarelo claro e recente. Pode ser, por fim, que ele gostasse da mocinha agora abandonada, mas que a mocinha, guardadas as devidas proporções, quisesse um anel e um teto; o mocinho queria o lençol e o café.

Não vejo muito segredo. Há algumas situações, porém, que podem ser revistas. Revisitadas. Sobretudo relembradas. Quando o sujeito pega birra, fica difícil. A mocinha tem que ter muito talento para ser lembrada sem cutucar os ombros do mocinho. Tem que ter muita desenvoltura para ir atrás sem perseguir. Tem que ser muito engenhosa para convencer o homem de que é ele que a quer de volta.

Mas pense pelo lado bom: vocês, mulheres, ainda conseguem fazer isso. Reconquistar. Fincar a bandeira na ilha perdida.

Nós, homens, coitados, não temos chance alguma quando vocês, resolutas, nos afastam e nos jogam em um canto qualquer do mundo de nós mesmos.

6.7.06

Siricutico - el barco

(foto de Pierre Verger , in www.pierreverger.org.br)



Para Guilherme Corsini


Velejar,
velejar eu vou.

Redescobrir a mesma onda em outra costa,
conhecer areias e
mulheres de ampulheta.

Desconfiar do céu uma tempestade de sapos,
Pontilhar na noite uma vela a estibordo,
Refazer minha sombra atrás dos panos de vento.

Velejar eu vou.

O mundo são todos os contornos de possibilidade.
Vou circundar os cabos e acenar do mar para os povos com chão.
Vou ganhar músicas com o silêncio.

E quando voltar, estou certo,
voltarei inteiro,
sem as dores dos homens da terra,
sem o sofrimento dos homens do mar.

Velejar.