20.8.05

João Gilberto


- Como está?
- Quem é?
- Adivinha?
- Tenho um chute.
- Será?
- (ronrona).
- Linda!
- Eu sei (risos).
- Olha que eu te pego.
- - Não pega não.
- Não?
- Não. Pega?
- Pega.
- Não pega, porque você não agüenta.
- Opa se não. Quem não agüenta é você, Bel. Güenta?
- Güentei sempre, todas as vezes. Pelo que consta, quem não agüentou foi o senhorito. Ou não?
- (silêncio)
- E quais as news, Dé? Eu tenho news. Good ones.
- No news. Quais são as suas? Está apaixonada?
- Estou com muito, muito...
- Amor ou sexo? (suavemente) Ou ambos?
- Ambos, sempre. Mas algumas vezes fico sem o último, não por opção.
- Sei. Mas e atualmente?
- Na verdade, pensando bem, estou sempre apaixonada. Atualmente a coisa está complicada. Tem um gatinho no meu pé, querendo namorar, mas eu não quero. (silêncio) Hoje inventei que estou com febre.
- Sério? Febre? Mas, vem cá, já houve o vem-que-tem?
- Desde domingo retrasado invento desculpas, mas ele insiste (será que sou tão pouco convincente assim?). Por enquanto, só espera-que-terá.
- Lamentável. Então, não dá.
- Ele bem que quis, mas eu não.
- Sei. Resumindo, o sujeito é meio devagar.
- (risos) Olha, o cara, deu para perceber, passou mal nas cinco vezes que saímos. Mas eu cortei. Lado bom da coisa: esqueci o Henrique.
- ‘Passou mal’ você quer dizer que ele ficou taradão?
- Ofegante.
- E ele não teve a idéia de te levar para um motel, só para vocês conversarem mais tranqüilos, sem compromisso?
- Ah querido! Eu não caio mais nessa. Posso continuar as news?
- (pausa) Pode. Mas, Bel, só uma coisa antes: você quer, amanhã, conversar num lugar tranquilo, eu até toco um violão e coisa e tal? O ponto todo, porém, é que dessa vez ele tem que ser silencioso como o João Gilberto. Talvez uma música solo (a exemplo de Sozinho), talvez um álbum completo. Quer?
- (riso contido) O que você quer?
- Conversar e tocar violão. Você quer?
- Que violão?
- Não vou cair na resposta óbvia. Assim, respondo: aquele que me faz cantar notas agudas e fazer sons graves. Incrivelmente graves.
- Graves?
- Graves. Profundos. (pausa) E longos.
- O que te deu?
- Música!
- E sua noiva?
- João Gilberto, Bel. João Gilberto. Silêncio, baixinho, segredo.
- (risos) Not possible.
- (cantando) "Quietinho bate calado, coração dilacerado."
- É uma promessa que fiz a mim mesma. Você é, sem dúvida, um galanteador admirável, mas não posso com João Gilberto.
- Nunca mais sexo gostoso? Promessa ruim. Lembre-se que João é um inaugurador do estilo. Merece ser seguido.
- Nunca mais vou me machucar deliberadamente. A história com o Henrique foi longe demais, fiquei muito mal. Nunca mais serei a outra. Nunca mais João Gilberto.
- (sussurrado) “Mal teve tempo de agarrar a toalha que se estendia no chão, a fazê-la de mordaça, e reprimir os gritos de gata que lhe corriam o corpo todo e lhe assaltavam o seu sexo.”
- Pode parar.
- É quase o que diz o Garcia Marquez, quando Aureliano levanta Úrsula pela cintura.
- Vai ouvir a minha news ou não?
- “...lhe jogou sobre a cama, ela se debate - não quer, não pode, pois o marido está na sala contígua,”
- Sim, isso tudo, mas com dignidade.
- “... mas logo percebe que seus gritos são mudos, são quietos,”
- Muito sexo, mas com dignidade, ao menos.
- “... são de uma complacência quase cúmplice, e quando ela se descuida, ele se aventura inteiro para dentro dela e ela sente uma força descomunal em seu centro de gravidade, uma força invasora inconcebível, seu corpo enrijece e seus gritos de gata forcejam para serem liberados”. (pausa) É uma cena linda.
- De fato. (rapidamente) Não vejo a hora de chegar a Paris.
- Há quem faça mímica parecida.
- Engraçadinho.
- Enfim. Nada de João Gilberto. Peraí. (pausa) Você vai para Paris? Que bacana! Quando?
- Mês que vem. Encontro romântico. Alguém que possa me assumir sem silêncio.
- Você vai com alguém para Paris?
- Não, a gente vai se encontrar lá.
- Quem é o cara?
- O cara é o Rui.
- Ele é meio feioso. E ele não era casado?
- Nada feioso e (com ênfase) s-e-p-a-r-o-u da mulher. Vamos lá, seja imparcial.
- Estou sendo imparcial. Feiosinho. E o diminutivo vai para dar uma ajuda.
- (risos) Bom, é isso, nós enlouquecemos de quarta para cá. (pausa) Ganhei a passagem e estou indo.
- Ganhou a passagem? Veja você. Eu só tenho minha conversa e meu violão.
- Tem sua n-o-i-v-a.
- De fato. Tenho mesmo. Eu só quis fazer um contraponto entre violão e ... enfim. Nevermind. João se despede.
- É?
- João Gilberto reclama do som (pausa).
- Do som?
- É: não tem retorno.

E desligam.

6 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Interessante. As frases curtas dão ritmo de bossa ao diálogo. O jogo de palavras mostra que apesar da ousadia do galante, quem conduz a prosa é a moça, que no seu falso casto concede sem ceder. Algo de "Amigo é pra essas coisas".

6:47 PM  
Anonymous Anônimo said...

"Não tem retorno"! Genial...

9:52 AM  
Anonymous Anônimo said...

Excelente literaródia
mas dizer que tem ritmo de bossa exagerou...

keep up man

3:34 PM  
Anonymous Anônimo said...

A mim, soou mais como "unfinished business" e nao "amigo e pra essas coisas" (risos, risos, RISOS!).




Paris, 25.08.2005

12:32 PM  
Anonymous Anônimo said...

Pedrão, gostei muito cara, tem um ótimo ritmo, mistura uma linguagem mais dinâmica e popular com letras e trechos mais elaborados... bem legal. Não usou meu Santo Nome em vão... abraço.

1:03 AM  
Anonymous Anônimo said...

A idéia foi muito boa (mesmo), mas puxou muito pro lado da poesia, em vez de ir realmente pro conto. Uma mão lá, outra cá. E faltou emoção. Médio.

2:09 PM  

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