Ponto de ônibus
(Acervo do Museu dos Transportes Públicos Gaetano Ferolla)
Onze horas da noite. Os carros caminham em rápidas filas indianas entrecruzadas, azul vermelho preto preto prata, seta prata prata Brasilândia. A buzina reverbera incorporada na caótica cidade que não se apaga. O ponto de ônibus, verde 874P Lapa azul vermelho 875P Barra Funda, nesta cidade de São Paulo, pode estar como está às onze da noite. Vinte pessoas se engalfinham. O frio não é tanto, mas as mãos se esfregam sob um gesto involuntário de quem não percebe que está só.
Um Fiesta preto pára na frente do ponto. A janela elétrica vai se agachando aos pouquinhos. Uma fresta, uma nesga, uma porção de espaço, metade da janela. Dois olhos lá de dentro, de óculos. A janela inteira de cócoras. O ponto todo vira uma interrogação, Alguém vai pra PUC?, pergunta voluntariosa a voz de dentro. Onze horas da noite. A janela se abre e um par de óculos pergunta se alguém vai pra PUC.
Lógico que alguém vai pra PUC.
Mas ninguém responde. Metade do ponto de ônibus finge Não é comigo, e continua, azul, vermelho, Hospital das Clínicas 177H, prata, prata, prata, preto, Ninguém vai pra PUC, então?, Tarado, pensa a velhinha, Que que é esse louco?, remói o rapaz, Enfia o carro no, sussurra um outro. A moça bonita não olha e enrubesce e tem certeza que foi por causa dela.
Ninguém?, atalha pela última vez, janela serpenteando para cima, os óculos lá dentro mais opacos, São Paulo, onze e três, e o ônibus atrás já buzina, é noite.
O ponto continua lotado na cidade que não se apaga e tem medo do escuro.
2 Comments:
"Enfia o carro no"?
Vc quer que eu complete a frase, é isso?
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