6.9.06

Romeiros

(foto de Victor Andrade, in www.imafotogaleria.com.br)



O mesmo caminho que percorri nos tempos de namorada e noiva: São Paulo, Castelo Branco e Romeiros, até a porta da casa de meu sogro, homem de sorriso ordeiro e jamais intempestivo. A estrada é larga, o dia é claro e sem covardia. Eu seguro a mão de meu marido. De quando em quando, fujo os olhos da estrada e me aprisiono em seu rosto sério, porém sem desassossegos. Homem de respostas das minhas dúvidas juvenis e adultas, ele me contou o amor, o maior de que já senti notícia, como um desenho lógico, pontos e retas e arestas todas no lugar.

Há três anos estamos casados e pelo menos uma vez por mês navegamos por esse mesmo chão paulista, de histórias de café e cana em suas margens. "Você está bonita", ele diz, enquanto tamborilo uma bossa nos joelhos. Abro um sorriso. Sei que não é agrado ou cortesia. Ele, com raras e inevitáveis exceções, não consegue ser insincero. Embalsama seus elogios e censuras na espontaneidade. Agradeço, "Você é que está lindo".

Os pais já estão na porta quando chegamos. Até por isso, "Mãe já estamos saindo, em quarenta minutos a gente chega". Os carinhos com que somos recebidos são cotidianos e isso é bom. Não há o abraço apertado de um filho longe que chega para ficar pouco. Não há incontáveis fios brancos a mais desde a última vez. A mãe sorri com os olhos e dá as mãos para beijar.

Saímos a pé e meu sogro repete, "Olha só, filho, o caminho da roça". Por ali, o menino ia para a escola ginasial, um prédio antigo logo à frente, sustentado antes por punhados de memória do que por tijolos do século passado. "As praças estão diferentes mas talvez as árvores sejam as mesmas". Ali, um jogo de bola; lá, o pião que girava, a bicicleta que escorregava, as bolas de gude que saltavam. Acolá – um dia se lhe escapou – o primeiro beijo, as conversas vespertinas, a briga de punhos sem razão.

Faz sol e faz tempo.

Sentamos no restaurante do amigo de juventude de meu sogro. Quatro pares de mesas e costume. Pedimos um bacalhau e ficamos ouvindo a bandinha de outra época, cantando um samba antigo no coreto da praça. Um senhor com uma voz de Nelson Gonçalves canta músicas da época da Vó, sob o céu azul e o balanço das crianças correndo entre as roseiras.

Tenho saudades de minha cidade pequena. Até, saudades desta cidade em que estou agora, na qual nunca vivi.

Vejo a menina brincar de balão. O menino correr do pega e pegar em seguida. A árvore que se esconde na criança e a conta de cem, noventa e nove, noventa e oito, com saltos na regressão, até o zero. Vejo meninas com bonecas, mocinhas com saias e intenções, moços com galanteios em broto. De novo, o coreto. As festas juninas, os primos, o queijo de minas, a vaca Mimosa da fazenda do Vô, o dente de leite e a fada.

Tenho saudades da minha cidade pequena. Não volto mais, decido. Fico por aqui. Peço com os olhos para meu marido, "Ficamos?", e ele sorri. "Para sempre?", questiono de novo.
Em voz miúda, encoberta de seus pais, "Você está ainda mais linda do que no carro". Eu sei, de novo, que não é afago, que não é cortesia. Eu olho para o lado de fora. Na praça, uma menina loirinha pega três rosas sem se machucar. Anda vinte passos, aparece ali na janela do restaurante e, sem dizer uma palavra, me entrega as flores.

Meu marido sorri.

A cidade pequena fofoca, suspira e fica feliz.