Pintura
Invadi uma sombra no meu sol; arredondei o branco para construir nuvens de algodão; decidi que pisaria toda a terra inteirinha toda verde.
Meus pais, eu e minha irmã nos damos as mãos na frente da casa com duas janelas e a porta aberta.
Apago, inteiras e com a ponta do dedo,
algumas das fotografias que guardam minha gaveta.
De outras, extirpo sua coloração e imponho uma nova,
redistribuo sua luz,
refaço o viés do ângulo
ou insisto
com firmeza
no matiz fosco de um casebre abandonado.
Recorto, geométrico,
novas molduras nas próprias fotos,
desenho em pinceladas no verso o anverso da imagem,
e a mantenho assim,
admirada pelo avesso.
Ponho cantoneiras
por todas as paredes da minha casa,
e substituo o branco pálido do antigo tom
pelo colorido das minhas novas impressões.
Mas deixo um canto vazio,
pintado com tinta preta:
ali, no meio da algaravia das cores inéditas,
suspendo um retrato seu,
seu rosto,
sua boca
e seus olhos de perto,
paixão anímica em que não ousei tocar ou mexer.
Você,
em preto e branco,
roubando da parede colorida
mais vida do que se ela inteira respirasse.