17.3.06

Pintura

(fotografia de Pierre Davin, in www.imafotogaleria.com.br)



Ajuntei lápis de cera, lápis de cor e uma camiseta branca para os borrões de sem querer; angariei dois sonhos de criança com as histórias de minha mãe, oito motivos de saudade, para escolher dentre eles, e uma ou outra intenção arteira; desabotoei um esconderijo em um dos cantos da sala, me desgarrei do mundo e decidi me consumir na ponta de um lápis amarelo.

Invadi uma sombra no meu sol; arredondei o branco para construir nuvens de algodão; decidi que pisaria toda a terra inteirinha toda verde.

Meus pais, eu e minha irmã nos damos as mãos na frente da casa com duas janelas e a porta aberta.

6.3.06

P & B


(fotografia de Paul Vosdik, in www.gettyimages.com)



Apago, inteiras e com a ponta do dedo,
algumas das fotografias que guardam minha gaveta.

De outras, extirpo sua coloração e imponho uma nova,
redistribuo sua luz,
refaço o viés do ângulo
ou insisto
com firmeza
no matiz fosco de um casebre abandonado.

Recorto, geométrico,
novas molduras nas próprias fotos,
desenho em pinceladas no verso o anverso da imagem,
e a mantenho assim,
admirada pelo avesso.

Ponho cantoneiras
por todas as paredes da minha casa,
e substituo o branco pálido do antigo tom
pelo colorido das minhas novas impressões.

Mas deixo um canto vazio,
pintado com tinta preta:

ali, no meio da algaravia das cores inéditas,
suspendo um retrato seu,
seu rosto,
sua boca
e seus olhos de perto,
paixão anímica em que não ousei tocar ou mexer.

Você,
em preto e branco,
roubando da parede colorida
mais vida do que se ela inteira respirasse.