Malvada
Eu te chamo e, você, trocista. Quando eu te ligo, cada toque pula afoito e esbaforido. Eu respiro fundo e presto atenção no silêncio-toque-silêncio. Você atende e eu grito Alô. Não falo comedido, não falo como a gente toda. Eu grito. Você percebe e eu enrubesço. Até a parede ri de mim. A mão treme, o gancho suspira e implora para eu me pôr ali. O gancho exige. Tira sarro de mim. A gente conversa sobre o dia. Meu dia não tem quase nada de bacana. Eu me esforço, espremo, até invento uma mentira. Não dá certo. Você percebe. Certeza que você percebe. Eu peço por favor para falar alguma coisa inteligente. Tremulo a voz. Visto coragem e lá sai uma risada sua. Fico em dúvida se ri é de mim. Eu te convido para ver uma cerveja correndo no Ibirapuera. Confundo tudo. Era ver um filme no cinema, beber uma cerveja ou caminhar no Ibirapuera. Não sei direito do que você gosta e troco todas as bolas do mundo. Você, de novo, percebe. Do lado de lá, adivinho, você deve estar contando sussurrado para uma amiga meu pavor segredado. Você, malvada. Você, perversamente delicada. Você, que me cativa e maltrata.
Fico olhando seu número anotado na folha de papel. A gente já desligou. Olho de novo seu telefone. Uma seqüência safada de oito numerozinhos demoníacos. Lembro do meu "tchau" baixinho. No tchau eu não gritei.
Que crueldade.
Puxo uma caneta de cima da mesa. Escrevo embaixo do seu nome: “Moça malvada”. E um pouco mais para baixo, com uma flecha, entre dois asteriscos: