15.2.07

Imago



Lagarta

Vários pés para cada canto, o violão e o surdo cantavam alto e a música punha curvas nos casais.

O ambiente era todo recortado pela penumbra, com tecidos pitorescos esquadrinhados nas paredes e pequenas rajadas de luz em um teto de casa antiga. Cá, mulheres carregando saias rodadas, calças de outra década, postos seus penteados em onda ou curtos. A tiracolo, variadas intenções. Lá, homens de camisa e mangas curtas e longas, sapatos e chinelos, agasalhados de decisão ou de recato.

Pares tentadores e a descoberto.

Gabriel chegou distraído àquele samba de todas as sextas e, apesar de não ter procurado, como algumas vezes fazia, viu-a de longe e seus olhares trocaram um rápido aceno: anunciou a si mesmo que os olhos daquela mulher de cabelos claros e indecisos seriam capazes de incendiar o mar.

Enfrincheirou-se entre saias e copos. Parou com a vontade imperturbável, "Quando cheguei, estava inteiro", disse, gaguejando apenas no espírito. Na primeira palavra, ela se voltou para ele. Correu a figura do rapaz de camisa branca e barba, e, enquanto o navegava em todos os centímetros que sua sutileza permitia, fingiu não ter entendido e pediu para repetir, "Eu disse que estava inteiro quando cheguei aqui".

Ela abriu um sorriso com vagar, e com naturalidade, "Não sei como você pode não estar inteiro", "É que me deixei pelo caminho, daquela porta até esse lugar aqui, e mesmo agora acho que me despedaço aos pouquinhos; uma parte vai embora de medo e outra vou de precaução", foi a resposta que ouviu.

Sem olhar para o rapaz, ela fez que sim e perguntou com qual parte dele, exatamente, ela estava conversando. "Certamente com a mais corajosa", ele replicou.

Daí a saber seu nome, Maria, a profissão de jornalista, e que morava sozinha sem animais de estimação, foram quatro voltas pelo salão. Outros seis argumentos, e Maria era aficionada pela cor branca e gostava de flores, mas sobretudo de cactos, "A única planta que não nos abandona e que fica bem em qualquer parte do mundo".

Maria não guardava rancor por ser tão bonita.

Desde a primeira vez, Gabriel percebeu que Maria abandonava o mundo para se devotar a uma de suas pequenas confrarias – amigas, trabalho, homem, família –, sempre dispostas em círculo e ao seu redor.

Quando Gabriel lhe disse que queria que seu nome fosse João, buscando nas histórias de infância um refúgio para justificar o par, Maria pediu que não se preocupasse em procurar bobagens, e na segunda vez em que se viram, ele a pegou em casa e conversaram seis horas e quarenta e oito minutos sem parar um só instante. Ela vestia um decote insolente, o rosto sem pintura e mãos que faziam afagos derramados. Ele envergava sem pudor todo o charme que podia e a memória das letras e dos versos.

Não precisou de Neruda ou Drummond para, já no portão, se fazer subir ao apartamento de Maria. "Você sobe", ela afirmou, segura e seca, sem se voltar para ele enquanto abria a porta do carro. Maria esperou Gabriel no segundo degrau da entrada e acenou para o porteiro com naturalidade de moça madura. Ofereceu uma cerveja e um cigarro, habitou a casa com um tango revisitado e escolheu de forma imperceptível o assunto sobre o qual queria conversar.

Contou o tempo na sua medida, e, sem dizer sequer uma palavra, fechou as janelas que havia aberto, pegou-o pela mão e, já dentro de seu quarto inteiramente branco, acendeu duas velas e apagou as luzes.


Crisálida

Embora não soubesse mas desconfiasse, Gabriel era inseguro e charlatão. Trazia, nos bolsos, cartões postais de lugares que inventava e vestia fantasias do que pretendia ser mesmo quando estava dormindo.

Assumia o desejo de conhecer todas as moças e as satisfações que pudesse. Ainda que nenhuma o aquietasse por inteiro, é certo que sempre apreciava um ou talvez dois detalhes específicos de cada uma, com o que involuntariamente esquecia do verso de todas elas.

Um dia depois de conhecer Maria, e outros mais que se seguiram, teve saudades, mas como tinha sempre. Por essa época, reencontrou Nina.

Já a tinha visto em outras ocasiões, quando se cumprimentaram com polidez e sem indícios de intenções veladas. Ela quase não falava e era incapaz de desafiar, mesmo na intimidade, sua timidez pública.

Na terceira noite de uma viagem ao campo, Gabriel a carregou pela mão, da sala repleta de música e amigos para uma rede solitária na varanda de verde e pássaros, "Gosto desse seu silêncio atrevido, que me faz pensar nas coisas que você, com certeza, quer me dizer", e ela não consentiu e não negou. "Mais, até", sussurrou, trazendo-a para perto, "me preocupa é como eu responderia essas coisas que invento que você me diz".

A lua fez volta, e quando Gabriel saiu da rede balançada, com Nina enrubescida e ainda em silêncio, deixou-a em casa e se trouxe de retorno para o quarto sozinho.

Se bem que tenha tornado a procurá-la, as vezes em que a viu novamente eram compassadas com noites de Lili.

Foi um distante primo seu, quem lhe apresentou Lili. "Desde já, e com aviso prévio, te digo do perigo de conhecer uma mulher diferente de tudo o que você já viu". Com certa razão, a advertência. Em um par de mesas, Gabriel reconheceu que ela fazia joguete das palavras e, sendo ainda mais distinta do que pregavam os libretos de internatos vienenses, esmerava as próprias regras de etiqueta.

Falavam muito e muito agradavelmente, e Lili sabia procurar e esconder os silêncios como se fossem sílabas. "E se rareio na poesia é para você brincar de pega-pega com as letrinhas", dizia.
Não era particularmente bonita. Na pouca intimidade que freqüentaram, carregava raros, mas bem perceptíveis e irritadiços trejeitos – sorria um sorriso levemente agudo e por vezes insincero, e oferecia um carinho acuado e medroso.

Gabriel passou a não ter dúvidas de que dormia de pijamas – e sem fantasia – durante Lili e logo no começo de Teca.

Teca era morena de causar desordem. Carioca da gema. Serpenteava pela beira de um Leblon ainda desconhecido por Gabriel quando ele a viu. Seu corpo tinha um arranjado convicto e enfeitiçado, que realçava a saia quase transparente e o andar de garça que não tocava o chão.

Uma pergunta qualquer sobre o tempo, trocaram telefones e se viram à noite, em um boteco da Lapa. Teca se preocupava com sua silhueta, seu sorriso e com o Rio de Janeiro e não fez caso de ocultar seus miados de vertigem quando vestiu Gabriel com seu corpo. Por três noites e dois dias, o fez ver o Leblon da janela imensa de seu hotel, durante quase todo o tempo felino e desinteressado.


Imago

Maria não fazia uso de resposta. Não atendia o celular e não escrevia de volta. Ligava quando sentia ocasião, simples e com a naturalidade de seu "Como está". Perguntava longamente sobre as viagens de Gabriel, sobre alguma ou qualquer excentricidade de seus dias, e quase sempre desligava intempestiva, "Um beijo".

Quando chegou do Rio de Janeiro, Gabriel trazia no bolso apenas um cartão postal, um costumeiro Morro da Urca, com o verso escrito, "Para Maria, que fala, silencia, acolhe e descompõe, tudo por igual".

Não telefonou. Não pulsou os oito dígitos, embora os tenha repetido, em voz alta, pelo menos uma dúzia de vezes no trajeto até a casa dela. Içou o postal e convenceu o porteiro a permitir que ele invadisse o segundo andar sem aviso. Saltou aos trios, mas sem pressa, os degraus de cimento da escadaria do prédio antigo.

Não tocou a campainha, mas repetidamente golpeou a porta com todos os nós de todos os seus dedos, até que ela, sem surpresa e sem desarranjo, linda como havia sido desde a primeira vez, mostrou-lhe uma casa aberta, repleta de velas acesas e com todas as suas luzes apagadas.

9.10.06

Curió




O curió chega voando sozinho,
aberto e desafrontado do vento.
Mexe a cabecinha para cá e para lá,
salta rápido pela calda pequena,
fazendo aviso de bater asa se precisar.
Pia uma vez e mordisca qualquer curiosidade na terra.
Salta pia mordisca espera mordisca
Se surpreende com um bicho grande atrás de si e
lépido salta esperto de reviravolta.

Torce o bico.
Encurta e amiuda os dois olhinhos.

Confronta o cão preto e calado,
Olho no olho e o corpinho aprumado pelo peito.

O cão espreguiça o corpo e se amasia com a grama,
Nem importância guarda para o curió.

Que assobia.
E pula um bocadinho para ali, desafiador.
O bicho grande não liga,
Deixa o passarinho despreocupado pr’aquele mundaréu de céu e de chão.

O curió desaponta e toma asa e salta vôo.

(para todo mundo nas doze árvores do bando, porém,
e sobretudo para a curió de bico fino e pena cor de céu,
ele contou que embruteceu a vida
e reescreveu o Golias
e o Esopo).

6.9.06

Romeiros

(foto de Victor Andrade, in www.imafotogaleria.com.br)



O mesmo caminho que percorri nos tempos de namorada e noiva: São Paulo, Castelo Branco e Romeiros, até a porta da casa de meu sogro, homem de sorriso ordeiro e jamais intempestivo. A estrada é larga, o dia é claro e sem covardia. Eu seguro a mão de meu marido. De quando em quando, fujo os olhos da estrada e me aprisiono em seu rosto sério, porém sem desassossegos. Homem de respostas das minhas dúvidas juvenis e adultas, ele me contou o amor, o maior de que já senti notícia, como um desenho lógico, pontos e retas e arestas todas no lugar.

Há três anos estamos casados e pelo menos uma vez por mês navegamos por esse mesmo chão paulista, de histórias de café e cana em suas margens. "Você está bonita", ele diz, enquanto tamborilo uma bossa nos joelhos. Abro um sorriso. Sei que não é agrado ou cortesia. Ele, com raras e inevitáveis exceções, não consegue ser insincero. Embalsama seus elogios e censuras na espontaneidade. Agradeço, "Você é que está lindo".

Os pais já estão na porta quando chegamos. Até por isso, "Mãe já estamos saindo, em quarenta minutos a gente chega". Os carinhos com que somos recebidos são cotidianos e isso é bom. Não há o abraço apertado de um filho longe que chega para ficar pouco. Não há incontáveis fios brancos a mais desde a última vez. A mãe sorri com os olhos e dá as mãos para beijar.

Saímos a pé e meu sogro repete, "Olha só, filho, o caminho da roça". Por ali, o menino ia para a escola ginasial, um prédio antigo logo à frente, sustentado antes por punhados de memória do que por tijolos do século passado. "As praças estão diferentes mas talvez as árvores sejam as mesmas". Ali, um jogo de bola; lá, o pião que girava, a bicicleta que escorregava, as bolas de gude que saltavam. Acolá – um dia se lhe escapou – o primeiro beijo, as conversas vespertinas, a briga de punhos sem razão.

Faz sol e faz tempo.

Sentamos no restaurante do amigo de juventude de meu sogro. Quatro pares de mesas e costume. Pedimos um bacalhau e ficamos ouvindo a bandinha de outra época, cantando um samba antigo no coreto da praça. Um senhor com uma voz de Nelson Gonçalves canta músicas da época da Vó, sob o céu azul e o balanço das crianças correndo entre as roseiras.

Tenho saudades de minha cidade pequena. Até, saudades desta cidade em que estou agora, na qual nunca vivi.

Vejo a menina brincar de balão. O menino correr do pega e pegar em seguida. A árvore que se esconde na criança e a conta de cem, noventa e nove, noventa e oito, com saltos na regressão, até o zero. Vejo meninas com bonecas, mocinhas com saias e intenções, moços com galanteios em broto. De novo, o coreto. As festas juninas, os primos, o queijo de minas, a vaca Mimosa da fazenda do Vô, o dente de leite e a fada.

Tenho saudades da minha cidade pequena. Não volto mais, decido. Fico por aqui. Peço com os olhos para meu marido, "Ficamos?", e ele sorri. "Para sempre?", questiono de novo.
Em voz miúda, encoberta de seus pais, "Você está ainda mais linda do que no carro". Eu sei, de novo, que não é afago, que não é cortesia. Eu olho para o lado de fora. Na praça, uma menina loirinha pega três rosas sem se machucar. Anda vinte passos, aparece ali na janela do restaurante e, sem dizer uma palavra, me entrega as flores.

Meu marido sorri.

A cidade pequena fofoca, suspira e fica feliz.

5.9.06

Para meus amigos viajantes

(foto de Cacalos Garrastazu, in www.imafotogaleria.com.br)



Faça boa viagem.
Aproveite mais do que você espera.
Se surpreenda.
Escreva.
Leia.
Se trabalhar, trabalhe pouco.
Conheça conheça toda a gente que puder.
Conheça bibliotecas conheça.
Fique em casa.
Saia de casa.
Converse com o espelho.
Fique em silêncio com o espelho.
Brigue com o vizinho.
Faça uma torta para a vizinha.
Pule corda.
Vá ao circo e ao cinema.
Vá ao McDonald's quatro dias seguidos.
Seja um estrangeiro.
Seja kitsch.
Seja extravagante.
Seja certinho.
Use topete.
Deixe bigode e tome sopa.
Conheça parques.
Corra todos os dias por um mês.
Compre um cachorro e devolva no mesmo dia: problemas de comunicação.
Escreva e jogue cartas fora, mesmo que tenha gostado delas.
Compre cartões postais e envie para quem os vendeu para você.
No verão, saia na rua de underware, pelo menos um dia.
Tome sol na cobertura do prédio, inteiramente nu(a).
Jogue avioezinhos de papel na sala de aula.
Dance com duas árvores até elas brigarem entre si.
Depois, plante quatro árvores.
Semeie um pé de feijão em casa.
Leia uma historinha de gibi por semana.
Beba bebidas exóticas.
Conheça ruelas escondidas.
Deite no sofá por cinco horas e não durma e nem faça nada.
Finja estar doente quando são e são quando doente.
Pinte pelo menos um quadro.
Escreva pelo menos sete contos. Doze poesias. E um livro interminado.
Experimente um tipo qualquer de droga – se tiver fanta uva, vá de fanta uva.
Voe de asa-delta.
Vá para a praia e traga um pote de areia para casa.
Grite para algum estranho.
Cante para algum estranho.
Deite na calçada, chore e explique que você chora porque nasceu ali e veio visitar.

Seja você mesmo por um tempo e outra pessoa por pelo menos sete dias (corridos ou não).

Poderiam ser recados de caminhão, eu sei.

Mas são coisas para você fazer, em conta-gotas, durante esse ano inteiro que ficará longe cá do Brasil e de nós.

(e um último recado: as coisas de que você mais gostar, repita).

2.8.06

Malvada

(foto de Tiago Santana, in www.imafotogaleria.com.br)



Eu te chamo e, você, trocista. Quando eu te ligo, cada toque pula afoito e esbaforido. Eu respiro fundo e presto atenção no silêncio-toque-silêncio. Você atende e eu grito Alô. Não falo comedido, não falo como a gente toda. Eu grito. Você percebe e eu enrubesço. Até a parede ri de mim. A mão treme, o gancho suspira e implora para eu me pôr ali. O gancho exige. Tira sarro de mim. A gente conversa sobre o dia. Meu dia não tem quase nada de bacana. Eu me esforço, espremo, até invento uma mentira. Não dá certo. Você percebe. Certeza que você percebe. Eu peço por favor para falar alguma coisa inteligente. Tremulo a voz. Visto coragem e lá sai uma risada sua. Fico em dúvida se ri é de mim. Eu te convido para ver uma cerveja correndo no Ibirapuera. Confundo tudo. Era ver um filme no cinema, beber uma cerveja ou caminhar no Ibirapuera. Não sei direito do que você gosta e troco todas as bolas do mundo. Você, de novo, percebe. Do lado de lá, adivinho, você deve estar contando sussurrado para uma amiga meu pavor segredado. Você, malvada. Você, perversamente delicada. Você, que me cativa e maltrata.

Fico olhando seu número anotado na folha de papel. A gente já desligou. Olho de novo seu telefone. Uma seqüência safada de oito numerozinhos demoníacos. Lembro do meu "tchau" baixinho. No tchau eu não gritei.

Que crueldade.

Puxo uma caneta de cima da mesa. Escrevo embaixo do seu nome: “Moça malvada”. E um pouco mais para baixo, com uma flecha, entre dois asteriscos:
“Ligar de novo”.

Aceno

(foto de Pierre Verger, in www.pierreverger.org)



Se me despeço, é porque não sobrou bandeira que envergue
nem gesto miúdo para pensar se te devo mostrar
ou esconder.

Se parto, é porque não
tenho mais a dúvida que censura um coração exposto,
a insegurança de saber se disco, se não disco,
ou se te entorno palavras
sinceras soltas,
mornas fugidias,
ou enrededas em uma caixilha de metal frio.

Se não fico, é porque
O espelho não faz reflexo teu
mas me devolve eu mesmo,
é porque voltei a ver no mundo
a quietude desanuviada e decente
de passantes sem preocupação.

Se me não permaneço, é porque
não te vejo mais tua
no gesto que se me entregou,
não te descubro mais nua
nos vôos imaginários de um céu cadente.

Não encontro sede no arroubo de um copo empoeirado e
não escondo pão na vontade de um banquete famélico.

Só te abandono
- violento-te o suspiro -
porque não te tive,
porque te imaginei fantasiada,
desenhada com traços finos de nanquim,
e porque não pude quando você,
desperta e sem desassossego,
docemente não me quis.

21.7.06

Nos dias de hoje

(foto de Cristiano Mascaro, in www.imafotogaleria.com.br)



Caro,
Responda-me cá uma pergunta. Na verdade é uma situação. Vou descrever mais ou menos: um garoto conhece uma garota. Sai com ela e, aparentemente, gosta. Enche a bola da mocinha (diz que é bonita, que é simpática, inteligente,). Chega até a dar flores. Nas primeiras semanas faz contato várias vezes, chama para sair e outros. Daí, vai viajar num fim de semana. E, depois disso, o negócio esfria. E sem motivo algum aparente. Qual é o problema dessa situação toda?




Não falarei sobre o amor, que não cabe na hipótese.

O garoto conhece a garota. Fica feliz com o que vê; depois, em um primeiro e quase sempre decisivo momento, fica contente com o que ouve. Decide convidar para sair, para conhecer melhor.

Aqui, pausa, bifurcação. Ou seria melhor dizer, uma trifurcação.

Ou ele está interessado em um relacionamento realmente casual e, a primeira noite em um bar, restaurante ou choupana que o valha, é, desde antes, um terço das três vezes que ele pretende que o casal se encontre; ou ele está procurando uma mocinha para se acomodar na vida e chamar alguém de meu amor (isso algumas vezes é bastante intencional e os homens chegam a se convencer de que aquela, ah! aquela!, é a mulher que ele sempre quis); ou, por fim, ele está absolutamente despreocupado e quer sair, simplesmente, porque gosta de ter mulheres por perto e ao seu lado, algo do tipo mariposa-lâmpada.

O que é importante, porém, é que, em qualquer um dos casos, as primeiras vezes que ele sai com uma mulher, o único grande desejo é conquistá-la e, ato quanto-mais-rápido-contínuo-melhor, levá-la para cama. Há homens que dizem que não, que inventam o romance, as rosas e as palavras para desmistificar essa verdade insensível, que se interessam mais pelos olhos e pela textura da mão da mulher do que, efetivamente, em vê-la nua e entregue (ou dominadora, sabe-se lá).

Esses homens mentem.

Mas, de outro lado, igual verdade seja dita: muitas das mulheres (senão a grande maioria) também procuram exatamente a mesma coisa nos dias de hoje. A diferença é que algumas de vocês são um bocadinho mais exigentes. Mas o plano de fundo é o mesmo.

Então, partindo para o contexto fático da sua história de amor malfadado.

As flores, as palavras e os elogios fazem parte desta sedução de poucos recursos de que nós, homens, dispomos. Algo como o olhar das mulheres, suas roupas justas, suas respostas agudas e traiçoeiras e o sempre fatal estou-ajeitando-meu-cabelo-para-você-ficar-em-dúvida-se-te-quero. E não digo isso para você ficar suspeitosa, desconfiada e/ou cética em relação aos homens. Muitas das vezes em que dizemos ("você é linda" ou "caraca, sensacional conversar com você") é verdade. É verdade para sempre, naquele instante, e é verdade, também, porque, lembre-se, nós estamos conquistando vocês.

E quando nós, homens, sumimos?, você pergunta. Conversamos, ligamos, dizemos algumas verdades e outras mentiras. Volte lá para alguns parágrafos acima. O homem, no princípio das circunstâncias, quer só te levar para a cama. Se ele consegue, há uma chance razoável - dependendo do clima em que ele está e do tipo de homem que ele é - de ele não te procurar mais. Há a chance de ele te encontrar algumas vezes e ir paulatinamente afastando você da agenda, como um dégradé recaindo para tons mais escuros (considerando o preto-asa-da-graúna como o esquecimento).

Se há, contudo, um evento específico entre o bom momento e o ostracismo do coração, é possível que o mocinho tenha encontrado alguém nesse intervalo. Em uma viagem, por exemplo. Foi viajar e voltou diferente. É possível que tenha encontrado uma ex-namorada, contra cuja memória ele andava lutando bravamente. Mas sucumbiu quando a viu de novo (ou, hipótese igualmente provável, ele nunca a esqueceu). Pode ser, também, que ele conheceu uma outra mocinha (essa versão é doída) e, por estar a procurar outras cores na paleta, abandonou o repetido azul pastel ou cinza escuro e fez aceno para um amarelo claro e recente. Pode ser, por fim, que ele gostasse da mocinha agora abandonada, mas que a mocinha, guardadas as devidas proporções, quisesse um anel e um teto; o mocinho queria o lençol e o café.

Não vejo muito segredo. Há algumas situações, porém, que podem ser revistas. Revisitadas. Sobretudo relembradas. Quando o sujeito pega birra, fica difícil. A mocinha tem que ter muito talento para ser lembrada sem cutucar os ombros do mocinho. Tem que ter muita desenvoltura para ir atrás sem perseguir. Tem que ser muito engenhosa para convencer o homem de que é ele que a quer de volta.

Mas pense pelo lado bom: vocês, mulheres, ainda conseguem fazer isso. Reconquistar. Fincar a bandeira na ilha perdida.

Nós, homens, coitados, não temos chance alguma quando vocês, resolutas, nos afastam e nos jogam em um canto qualquer do mundo de nós mesmos.

6.7.06

Siricutico - el barco

(foto de Pierre Verger , in www.pierreverger.org.br)



Para Guilherme Corsini


Velejar,
velejar eu vou.

Redescobrir a mesma onda em outra costa,
conhecer areias e
mulheres de ampulheta.

Desconfiar do céu uma tempestade de sapos,
Pontilhar na noite uma vela a estibordo,
Refazer minha sombra atrás dos panos de vento.

Velejar eu vou.

O mundo são todos os contornos de possibilidade.
Vou circundar os cabos e acenar do mar para os povos com chão.
Vou ganhar músicas com o silêncio.

E quando voltar, estou certo,
voltarei inteiro,
sem as dores dos homens da terra,
sem o sofrimento dos homens do mar.

Velejar.